Este
seminário foi realizado no âmbito da cooperação técnica desenvolvida pela CODATU no Brasil. A Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e o Governo do Estado de São Paulo assinaram, em abril de 2016, um acordo de cooperação técnica visando acompanhar a Secretaria dos Transportes Metropolitanos na implementação de diferentes projetos de mobilidade urbana e na melhoria dos sistemas de transporte público nas metrópoles paulistas. A CODATU e o CEREMA são os parceiros técnicos nesta cooperação.

No mundo todo, as receitas de um sistema de transporte urbano são constituídas de diferentes fontes. Na grande maioria dos casos, as receitas tarifárias não são suficientes para cobrir os custos de funcionamento de um sistema de transporte urbano, qualquer que seja o modo (metrô, trem, VLT, BRT, ônibus convencional). As autoridades responsáveis pelo transporte urbano precisam, então, recorrer a outras fontes de receita para garantir a viabilidade do sistema. Além das receitas tarifárias, o funcionamento de um sistema é, frequentemente, dependente de subsídios públicos, de contribuições de empresas privadas e de serviços/produtos acessórios.

Na Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM) do Estado de São Paulo (GESP), a questão das receitas acessórias é tratada como prioritária, estimando que estas receitas tenham um enorme potencial, até então pouco explorado nos sistemas de transporte. O aumento das receitas não-tarifárias permitiria aliviar o orçamento público, financiar novos serviços e fazer novos investimentos.

De fato, o METRÔ (Companhia do Metropolitano de São Paulo) é considerado como “independente”, ou seja, os custos de operação e de manutenção são cobertos pelas receitas operacionais. No entanto, a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) é “dependente” do GESP, já que as receitas tarifárias não são suficientes para cobrir os custos de funcionamento do sistema.

Tendo em vista este contexto, nos dias 24 e 25 de julho de 2017, aconteceu o primeiro seminário da cooperação técnica sobre os aspectos das transformações das estações e da implantação de novos serviços fonte de receitas acessórias nos transportes urbanos.

As apresentações foram feitas pelo Andreas Heym, Diretor Marrocos & Desenvolvimento Internacional da AREP, pelo Étienne Lhomet, responsável técnico da cooperação CODATU, e pelo Bruno Almeida Maximino, assessor técnico da cooperação CODATU.

Estado da arte na Região Metropolitana de São Paulo

Na primeira sessão, as empresas públicas sob tutela da STM apresentaram suas experiências em termos de receitas não-tarifárias. As principais fontes são (i) os centros comerciais integrados às estações, (ii) os empreendimentos imobiliários, (iii) o varejo nas estações, (iv) a publicidade e (v) estacionamentos. Os resultados são heterogêneos.

De um lado, o METRÔ prevê mais de R$ 230 milhões de receitas não-tarifárias em 2017. Os empreendimentos imobiliários são responsáveis pela maior parte, 40% do total, seguido pela publicidade. De outro lado, a CPTM prevê somente R$ 20 milhões de receitas não-tarifárias, das quais mais de 50% são provenientes da publicidade. As receitas não-tarifárias correspondem a 5% das receitas tarifárias.

No caso da EMTU (Empresa Metropolitana de Transporte Urbano), as receitas não-tarifárias (R$ 8 milhões) representam entre 5 e 8% das receitas totais em 2017. A principal fonte de receitas acessórias é a exploração comercial dos terminais de ônibus. Para a EFCJ (Estrada de Ferro Campos de Jordão), 29% das receitas totais foram provenientes de atividades acessórias em 2016.

As estações como alavancas para a cidade

Em seguida, o primeiro dia foi destinado à apresentação do conceito das estações francesas. A principal mensagem trazida por Andreas Heym se baseia no fato que as estações podem ser verdadeiras alavancas para a dinamização econômica de um bairro e de uma cidade. A atratividade das estações pode ser aumentada, reorganizando-se os fluxos de usuários, aumentando a gama de serviços e, consequentemente, as receitas não-tarifárias do operador.

Os exemplos apresentados evidenciaram (i) que somente a boa articulação entre todos os beneficiários permite o sucesso de um projeto de grande porte, e (ii) que um projeto de renovação de uma estação, ligado a um projeto de requalificação urbana, pode maximizar os resultados para todos os acionistas e para a sociedade.

Os participantes brasileiros questionaram a AREP quanto à duração de implantação de projetos como este. Andreas Heym explicou que a duração total é, geralmente, superior a 10 anos e, portanto, maior que o ciclo político (de 5 anos na França).

Além disso, os brasileiros salientaram as principais dificuldades encontradas na implantação de projetos de tamanha grandeza. Uma legislação muito restritiva, que pode bloquear qualquer intervenção em espaços públicos e no patrimônio histórico. Ademais, atualmente a organização institucional dos transportes seria um frio à realização deste tipo de projeto. As restrições orçamentárias também foram mencionadas.

Um leque de “produtos” existentes

Na segunda manhã, foram apresentados vários serviços existentes em redes de transporte urbano na França e no mundo.

Primeiro, foram discutidas as questões dos “naming rigths” das estações, da publicidade nos veículos e nas estações e da utilização da fibra ótica pelos operadores de transporte. Além disso, foram apresentados exemplos de sistemas que utilizam painéis fotovoltaicos para a geração de energia limpa, que lucram com as redes de telefonia nos túneis e com aplicativos móveis dos operadores de transporte.

Em seguida, foi realizada uma comparação entre os sistemas de financiamento de transporte pelas empresas privadas. No Brasil, os empregados têm como benefício o Vale Transporte, em que as empresas pagam os títulos de transporte dos empregados no trajeto domicílio-trabalho mediante uma redução do salário. Na França, as empresas de mais de 11 empregados participam do financiamento do transporte urbano por meio (i) do versement transport, um imposto sobre a massa salarial da empresa, e (ii) do reembolso da metade do título de transporte de seus empregados.

Uma das principais diferenças entre os dois sistemas, levantada por uma participante, se baseia no fato que, no Brasil, uma empresa financia o transporte somente se seus empregados utilizam o transporte público para ir ao trabalho. Por outro lado, na França, já que o versement transport é um imposto, uma empresa contribui com o transporte urbano mesmo se nenhum de seus empregados utilizar o transporte público para ir ao trabalho.

Repensar a estação “Palmeiras-Barra Funda”

Na última sessão, os participantes trabalharam em grupos para identificar os desafios e as oportunidades de criação de novos serviços, e de melhoria dos serviços existentes. A estação “Palmeiras-Barra Funda” é uma das mais importantes da rede metropolitana, atendida por uma linha de metrô, duas linhas de trens metropolitanos e contando, ainda, com um terminal de ônibus municipal e uma estação rodoviária. Mais de 400 000 usuários passam por ali todos os dias.

Trabalhando em cima da planta da estação, cinco grupos identificaram os pontos fortes e os pontos a se melhorar do ponto de vista do usuário. Vários elementos a se melhorar foram identificados: a comunicação visual, os acessos de pedestres, a circulação dos fluxos dentro da estação, a qualidade dos produtos vendidos pelas lojas e a valorização de alguns espaços subutilizados. Alguns dos pontos positivos citados são: a intermodalidade existente, a vizinhança (universidades, casas noturnas, parque) e o grande mezanino que liga os diferentes modos de transporte.

Num segundo momento, foi solicitado que os participantes pensassem numa estação dos sonhos. Surgiram várias sugestões para a melhoria do espaço, como a reorganização dos acessos de pedestres e dos fluxos de pessoas no mezanino e iluminação natural em mais espaços da estação. Mas, também, diversos serviços: biblioteca, salões de beleza, academia, novos comércios, supermercado, hotel, escritórios, heliporto, restaurantes e painéis fotovoltaicos.

Finalmente, de volta à realidade, a última parte da atividade foi dedicada para se pensar num plano de trabalho indicando as primeiras ações a empreender, os potenciais parceiros e as dificuldades a superar para a implantação dos projetos. Os participantes indicaram como dificuldade a conciliação dos interesses de todos os atores, as desapropriações necessárias, o licenciamento ambiental e, sobretudo, a importância de se realizar as obras concomitantemente à operação de transporte afim de minimizar o impacto aos usuários.

Numa síntese global, pode-se destacar, para os cinco grupos multidisciplinares:

  • A vontade comum de unificar os espaços e de cria uma identidade única para a estação, oferecendo serviços variados para atender às necessidades dos usuários;
  • Uma estação que seja um destino e não somente um ponto de passagem;
  • Uma estação maior, mais verde, mais iluminada, ou seja, um ambiente mais agradável;
  • Uma estação sem barreiras, produto de uma visão completa pensada para e pelos usuários